PF mudou 3 vezes delegados responsáveis pela investigação das mortes de Bruno e Dom
É de uma sala na Unidade de Repressão a Homicídios, na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, no Edifício MultiBrasil Corporate, em Brasília, a 2.281 km de distância de Atalaia do Norte (AM), que o delegado Francisco Badenes Júnior trabalha no inquérito que apura os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
Em um ano, a investigação passou pelas mãos de três delegados, sem avançar na identificação e, sobretudo, no indiciamento de um mandante das execuções.
O delegado Badenes Júnior também atua à distância no inquérito relacionado ao assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, ocorrido em 6 de setembro de 2019.
Max, como era conhecido, trabalhou com o indigenista Bruno Pereira na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Ambos se tornaram conhecidos no Vale do Javari pela implacável fiscalização contra as expedições predatórias no território demarcado. Assim como o indigenista, Max foi assassinado depois de ter sido afastado da Funai durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Max foi executado com dois tiros de pistola na cabeça na frente da mulher e da enteada, em Tabatinga, cidade brasileira que faz fronteira com Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa, no Peru. Dois dias antes do crime, ele havia comandado a apreensão de uma embarcação carregada com peixes e animais capturados ilegalmente na TI (Terra Indígena) Vale do Javari.
Apesar do sucesso da operação, Max foi afastado do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Coordenação Regional do Vale do Javari, da Funai, onde atuou por cinco anos. O assassino de Maxciel dos Santos segue impune.
O caso do ex-funcionário da Funai voltou a ser investigado pela PF após as execuções de Dom Phillips e Bruno Pereira, em 5 de junho de 2022. A decisão de reabrir o inquérito foi tomada diante das evidências do suposto envolvimento de uma organização criminosa nas três mortes.
Em outubro de 2022, o corpo de Maxciel foi exumado e levado a Brasília, onde foi submetido a novas análises. As investigações seguem sob sigilo, mas sem resultados efetivos.
TRÊS DELEGADOS EM DEZ MESES
Badenes Júnior é o terceiro delegado designado pela direção da Polícia Federal para coordenar as investigações relacionadas às mortes do jornalista inglês e do indigenista.
Nos primeiros dias após o crime, a Superintendência da PF de Manaus enviou o delegado Domingos Sávio a Atalaia do Norte. É no município de pouco mais de 18 mil habitantes, às margens do rio Javari, que se concentra a maior parte do território demarcado que compõe a TI Vale do Javari.
Domingos Sávio assumiu a investigação, inicialmente conduzida pelo delegado Alex Perez, da Polícia Civil do Amazonas, em Atalaia do Norte. Nesse período, o trabalho conjunto, que contou com a participação da equipe de vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), levou à prisão de Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado.
As suspeitas recaíram sobre o pescador devido ao seu histórico de invasões à terra indígena. Pelado também já havia feito ameaças de morte ao indigenista Bruno Pereira.
A partir da prisão de Pelado, os policiais chegaram a Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, e a Oseney da Costa de Oliveira, o irmão de Amarildo, conhecido como Dos Santos. As investigações prosseguiram com a descoberta dos despojos de Bruno e Dom, enterrados numa área de mata fechada a pouco mais de um quilômetro da margem do rio Itacoaí, numa área próxima à casa de Oseney.
Após falhas na condução do inquérito envolvendo os três suspeitos, os desembargadores da 4ª Turma do TRF-1, em Manaus, decidiram retornar o processo à fase de instrução, em 16 de maio de 2023. Apesar de os procuradores terem oferecido a denúncia, a investigação não foi concluída.
O inquérito original foi desmembrado em duas partes: uma destinada à identificação de outros envolvidos nos assassinatos de Dom, Bruno e Maxciel, que teve o nome incluído nessa nova fase.
Um segundo inquérito foi aberto para investigar a organização criminosa envolvida nas invasões para caça e pesca predatórias dentro da TI Vale do Javari. A partir do desmembramento, pouco mais de um mês depois das execuções de Bruno e Dom, os dois inquéritos passaram a ser de responsabilidade do delegado Lawrence Guimarães Cunha, que atuava no Amazonas —parte na PF de Tabatinga e outra na Superintendência em Manaus, que fica a 1.136 km.
O delegado Lawrence Cunha acabou transferido no fim de março de 2023 para uma unidade da PF na região Sul. Antes, relatou o inquérito sobre a organização criminosa que tem como suposto financiador Rubens Dário da Silva Villar, o Colômbia, que está preso e é suspeito de chefiar uma quadrilha transnacional envolvida no tráfico de drogas na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Às vésperas de completar dez meses dos assassinatos de Bruno e Dom, os inquéritos mudaram novamente de mãos, passando para o delegado Badenes Júnior, que despacha de sua sala a milhares de quilômetros de Atalaia do Norte, onde os crimes aconteceram.
As constantes mudanças na condução das investigações só fizeram aumentar a descrença entre ativistas e indígenas do Vale do Javari sobre o desfecho do trabalho.
“No início, quando o delegado responsável pela investigação estava na região, falava-se em chegar ao mandante ou mandantes. A gente ouve que há políticos que mantinham relações com Amarildo Pelado e outros invasores da terra indígena, alguns lucram com esse comércio ilegal de animais, madeira e peixes extraídos clandestinamente do território demarcado”, relatou um ativista ao Programa Tim Lopes, da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Amigo de Bruno Pereira e colaborador em várias das investigações conduzidas pelo indigenista desde os tempos de Funai e na Univaja, onde Pereira passou a atuar após ter sido exonerado do cargo no governo de Jair Bolsonaro, o ativista teme que as investigações da PF se limitem às prisões de Pelado, Pelado da Dinha e dos Santos. Os três suspeitos detidos logo no primeiro mês de trabalho.
“Pelado já não morava em São Gabriel. Por aqui todos sabiam da ligação dele com o Colômbia, tanto que ele se mudou com a mulher para Benjamin Constant. Ele era o elo do esquema com os ribeirinhos de São Gabriel e São Rafael, mas mantinha ligações com políticos de Atalaia do Norte. Basta ver que alguns parentes dele, envolvidos nas invasões predatórias, estavam nomeados no município.”
O ativista, não foi identificado por questões de segurança, esteve com a equipe de reportagem do Programa Tim Lopes nas duas vezes em que os jornalistas foram a Atalaia do Norte para acompanhar os desdobramentos em um ano de investigação.
A equipe da Abraji retornou ao município em março de 2023. Nesse período, o coordenador da Unijava, Bushe Matis, afirmou que as invasões predatórias à TI continuavam acontecendo, mas em menor quantidade.
“Ainda mais agora, que a Polícia Federal enviou um barco de grande porte para ficar no porto. Lá no entroncamento entre os rios Javari e Itacoaí, no caminho para o território demarcado, o Exército está mantendo uma embarcação. Isso inibe a ação dos predadores”, afirmou Matis.
A presença dos policiais e dos militares contribuiu para o aumento da sensação de segurança, especialmente entre os indígenas que vivem em Atalaia do Norte, mas não representa o fim das ações predatórias na TI —conforme a Abraji mostrou em reportagem publicada em 4 de abril de 2023, quando a equipe flagrou dois barcos carregados com tábuas de madeira nobre escondidos em meio à vegetação.
Em geral, os envolvidos nas expedições predatórias conhecem bem a região e se utilizam dos furos, como ribeirinhos e indígenas se referem aos trechos de mata alagados nas cheias do rio, para driblar a fiscalização.
No mesmo mês, agentes da PF orientados pela equipe de vigilância da Univaja encontraram e apreenderam parte das embarcações com madeira extraída da TI.